Fábricas e concessionárias começam a voltar às atividades neste final de maio, lentamente, com restrições e muitos protocolos de segurança. Foram praticamente dois meses fechadas, paradas. A produção do mês de abril caiu 99% em relação a março, registra a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), 99,4% menor do que abril do ano passado. Foi o pior mês da história do setor no Brasil, que teve início no final dos anos 1950. A preocupação agora é com a retomada e a definição dos caminhos da recuperação. Entre muitas dúvidas, uma certeza, porém, é comum a toda cadeia automotiva: a principal ameaça geral é a falta de caixa, de liquidez. E todos os caminhos que levarão à retomada começam pela liberação de crédito ao sistema como um todo.
“Não é um problema só do Brasil, é mundial. E não é só dinheiro, é preciso agilidade. A Alemanha, por exemplo, garantiu crédito para toda a cadeia e o dinheiro chegou rápido na ponta. Concessionários e fornecedores são a ponta mais fraca, têm que vencer a burocracia. Se as empresas menores não aguentarem, o sistema todo estará ameaçado”, explicou esta semana ao jornal Gazeta do Povo, de Curitiba (PR), o presidente da Volkswagen para a América Latina, Pablo Di Si, que está acompanhando de perto as negociações em andamento do Governo com os grandes fabricantes.
O presidente da Fiat Chrysler Automobiles (FCA), Antonio Filosa, em live promovida na semana passada pelo jornal mineiro O Tempo com os maiores líderes da indústria automotiva do Brasil, lembrou que as necessidades de caixa das empresas do segmento superam os R$ 40 bilhões. Informação essa que a Anfavea já levou há mais tempo ao Ministério da Economia, reivindicando que o Governo se responsabilize pelas garantias em empréstimos com bancos privados. A contraproposta, por enquanto, é só de que os créditos tributários possam ser utilizados como garantia. “Essa linha de crédito de curto prazo é o grande desafio. Além da cadeia toda, terá que chegar até ao consumidor final”, completou Rogério Golfarb, vice-presidente da Ford para a América do Sul.
A indústria automobilística contribui com 22% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial do Brasil. É com essa injeção de liquidez que o setor poderá manter a adimplência e o crédito de toda a longa cadeia automotiva, evitando uma “quebradeira” em série, o chamado “efeito dominó”, que se inicia nas matérias-primas básicas e termina nas redes de concessionárias, locadoras, distribuidoras e milhares de oficinas que, sem peças, não conseguiriam mais fazer manutenção da frota de caminhões e veículos que transportam mais de 90% da economia.
Dilema
A produção no Brasil parou, mas os pátios de fábricas e concessionárias continuam cheios, porque os consumidores se retraíram e outros países também pararam, por conta da pandemia da covid-19, o que fez com que as exportações para vizinhos importantes, como Argentina e Chile, também sofressem significativas reduções. A lógica básica da oferta excessiva com pouca demanda deveria resultar em preços mais baixos, mas isso não está funcionando nesta crise sem precedentes. A General Motors, por exemplo, acaba de anunciar um reajuste médio de 4% na linha Chevrolet.
A explicação para mais este problema no horizonte da retomada das atividades está no câmbio. A instabilidade econômica e política do Brasil, que se soma à crise mundial de saúde, tem levado o Real a variar em torno dos US$ 6 (seis dólares), o que afeta diretamente a indústria automobilística. “Estamos vivendo uma combinação explosiva: volume de vendas caindo drasticamente e custos subindo absurdamente. É um dilema”, desabafou o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, em entrevista à Gazeta do Povo.