“O ótimo é inimigo do bom”, disse o filósofo iluminista francês Voltaire no século XVIII. Esse antigo e, ao mesmo tempo, tão atual axioma* veio à mente de muitas pessoas que vivem cotidianamente a preocupação com a segurança no trânsito quando o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) começou, no final de agosto, a fazer testes com um drogômetro usando o toque digital dos motoristas. Afinal, há mais de três anos estão sendo estudados e testados aparelhos que visam identificar substâncias psicoativas (SPAs) no organismo de motoristas a partir da saliva. E, enquanto as drogas, além do álcool, seguem presentes em mais de 30% dos acidentes com mortes no trânsito brasileiro, a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) continua sendo apenas uma promessa.
Drogômetro por toque digital está em fase de testes desde o final de agosto (Fotos: Detran-DF)
“Até o fim do ano, esse assunto ficará definido, e acreditamos que, até março, o Governo Federal fará o tão esperado lançamento nacional do drogômetro para implantarmos uma fiscalização mais eficaz principalmente nas nossas estradas”, estima o diretor-geral do Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (DetranRS), Enio Bacci, que, desde 2016, então como deputado, acompanha o assunto a partir do estudo pioneiro realizado pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), sob a coordenação dos médicos Flávio Pechansky, Tanara Sousa e Juliana Scherer.
Depois que a equipe do HCPA entregou, no início do ano, o relatório do estudo intitulado Projeto Tecnologias de Screening de Substâncias Psicoativas no Trânsito: Avaliação de Tecnologias para Detecção de Substâncias Psicoativas em Condutores Brasileiros ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), foi formado um Grupo de Trabalho (GT). Composto por membros da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), o GT tem por objetivo ouvir outras entidades, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), e sistematizar os procedimentos de regulamentação. O prazo para conclusão do trabalho está se esgotando agora em novembro e o diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, Francisco Saraiva, confirmou recentemente à Agência Brasil que o drogômetro deve ser regulamentado e homologado pelo Contran até o final de 2019.
O axioma de Voltaire volta a ganhar destaque nos dias de hoje porque muitas vezes a evolução da tecnologia é mais rápida do que a capacidade das pessoas de colocá-la em prática. Assim, na intenção de fazer tudo cada vez melhor, com extrema perfeição, deixa-se de fazer o bom, que poderia ser feito logo, e acaba-se não fazendo nada por sucessivos adiamentos.
“A nós não importa muito se o aparelho (drogômetro) usará a saliva ou o tato da pele, nem o número de substâncias que poderá detectar de imediato. Existem mais de cem tipos de drogas, mas o que precisamos é ter logo a possibilidade de fiscalizar o uso de maconha, cocaína, crack e, principalmente, rebites (anfetaminas usadas por caminhoneiros) nos motoristas que andam pelo nosso trânsito e têm causado um número exagerado de acidentes fatais”, conclui Bacci.
O drogômetro é um aparelho que possui tecnologia de rastreamento semelhante à do bafômetro, já bastante conhecido dos motoristas e que detecta a presença de álcool no organismo. Segundo informações do MJSP, o teste com o drogômetro é capaz de detectar, em até cinco minutos, um número de substâncias psicoativas que ainda não está bem definido. De acordo com o artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), “dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” configura uma infração gravíssima. O artigo 165-A estabelece, ainda, que a recusa a ser submetido a teste ou outro procedimento que permita certificar a presença de álcool ou outra substância psicoativa também é uma infração gravíssima.
* Axioma é uma evidência cuja comprovação é dispensável por ser óbvia; princípio evidente por si mesmo. Fonte: Dicionário Online de Português (Dicio).
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