A geração que chegou à terceira idade na primeira década do século XXI admirou, na adolescência, o grupo de motociclistas norte-americano Hells Angels, nascido na Califórnia após o final da Segunda Guerra Mundial. Depois, no final dos anos 1960, se encantou com a ideia de “liberdade total” do filme Sem Destino (Easy Rider), no qual Wyatt e Billy – interpretados por Peter Fonda e Dennis Hopper – viviam a proposta de paz, amor e música do festival hippie de Woodstock, pelas estradas dos Estados Unidos em duas potentes motocicletas. Essa geração cresceu, se estabeleceu, mas não esqueceu aquela antiga paixão. O sonho permaneceu e a hora chegou, enfim, na virada do século, abrindo caminho para seus filhos.
“Na adolescência, eu queria ter uma moto, mas tinha que esperar os 18 anos. Com o tempo, a preparação para o vestibular, a faculdade, o casamento e os filhos foram ocupando todos os espaços”, lembra o oftalmologista Humberto Lubisco Filho, o Beto, um dos fundadores do grupo Vento Negro Bikeriders, há 15 anos. A paixão só renasceu mesmo em novembro de 1999, aos 47 anos, durante um feriadão na praia de Torres, no litoral norte gaúcho. Paralelo ao Festival de Balonismo, estava sendo realizado um encontro de motociclistas, o Moto Beach. “Peguei meu sobrinho Pedro, que tinha uns dez anos de idade, mas já era apaixonado por motores, e convidei para ‘ir ver as motos’. Pronto! Quando voltei para casa, estava decidido. Foi ali que tudo começou”, afirma Lubisco.
Inicialmente o Con.dores Moto Grupo juntava amigos para passeios, sem horário, sem regras e sem andar à noite. Nunca dentro da cidade, mas percorria distâncias pequenas, de até 200 km, geralmente pela Serra gaúcha, só pelo prazer de andar de motocicleta. Em 2003, porém, houve uma mudança marcante. O grupo trocou de nome, ganhou uma marca, produziu camisetas personalizadas e sete motos partiram para a primeira viagem longa, rumo a Bonito, no Mato Grosso do Sul: 3.800 km em dez dias. Hoje, 15 anos depois, não há uma contabilização exata da quilometragem somada pelo grupo, nem a relação de locais visitados, mas sabe-se que já foram mais de duas dezenas de viagens realizadas e mais de cem mil quilômetros rodados.
“Não imagino como teria sido minha vida nos últimos 15 anos sem a moto”, declara Lubisco, abrindo um largo sorriso. “Essa relação é muito pessoal. É uma relação de afeto que não se explica, apenas se sente. A gente tem grupo, mas, quando saímos, viajamos uma média de 500 a 600 quilômetros por dia. Então, nesse tempo, é cada um dentro do seu capacete. Cada um tem o seu prazer. Eu, por exemplo, não gosto de ouvir música, como alguns. Prefiro viver o barulho da máquina. Uns estão mais ligados à velocidade, outros ao piso – tem gente que prefere pilotar em estrada de chão batido –, outros às curvas e manobras, muitos às paisagens… Enfim, é uma experiência absolutamente individual. O que nos une é a satisfação do percurso”, define ele.
Beto Lubisco conta que conhece a América do Sul “do Peru para baixo” e o Brasil “do Rio de Janeiro para baixo”, mas o grupo também já viajou pelo Canadá e pelos Estados Unidos. “Para a América do Norte, fomos de avião e alugamos as motos lá. Assim como em algumas viagens, pela extensão do tempo, optamos por voltar de avião e mandar as motos de volta por transportadoras. A verdade é que o nosso grupo não imagina mais uma viagem sem moto. Um amigo está indo agora para a Alemanha, por exemplo, visitar um neto recém-nascido. Comprou a passagem de avião, fez as reservas de hotel… E já reservou uma moto para fazer uma viagem por lá!”, conta.
Bariloche, San Pedro de Atacama, Costa do Pacífico, norte da Argentina, Machu Pichu e o Vale da Morte, nos Estados Unidos, foram algumas dessas viagens feitas fora do Brasil, mas os motociclistas viajantes, garante Lubisco, não conseguem definir qual a melhor ou a que mais marcou. “Cada viagem tem uma característica. Todas são diferentes, é impossível comparar. Se essa pergunta for feita para qualquer um de nós, a resposta será sempre a mesma: a melhor é a próxima”, aposta ele, que cuida agora dos preparativos para ir ao Ushuaia no final deste ano. “Meu sonho era sair de Porto Alegre e subir até o Alasca, via Colômbia, Panamá, mas acho que isso não vai dar, já vimos que é muito longe.”
Lubisco saindo do Grand Canyon, nos Estados Unidos
E como representante da geração que transformou esse sonho de viajar de moto em realidade, Lubisco explica a importância da tecnologia disponível atualmente que facilita a logística e a segurança nas estradas. “No século passado, sem internet, fazer esse tipo de viagem era quase impossível. E perigoso! Os mais jovens só estão descobrindo esse mundo agora, neste século, porque é muito fácil. Qualquer um tem um celular e as motos já vem com GPS. Se fala com a família ou com a agência de viagens a qualquer momento. Foi-se o tempo dos mapas de papel e bússolas. É por isso que essa indústria das motos e de seus acessórios está crescendo sem parar”, observa ele, garantindo que qualquer estreante “nesse mundo” pode escolher como gastar qualquer quantidade de dinheiro, tantas são as ofertas de máquinas, equipamentos e acessórios no mercado.