A pirataria que tanto preocupa o setor de autopeças – porque de acordo com a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) gera um prejuízo de R$ 3 bilhões por ano e já representa cerca de 30% desse mercado no Brasil –, será notícia nacional em 2018 a partir do Rio Grande do Sul. A Assembleia Legislativa gaúcha instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em novembro do ano passado para investigar supostas práticas irregulares que estariam sendo executadas sistematicamente por seguradoras veiculares. Essa CPI só começou a atuar, de fato, a partir de fevereiro deste ano, mas tem previsão de concluir o relatório no mês de setembro e, a partir daí, denunciar diversos crimes às autoridades competentes e produzir legislação.
Para atualizar os seus associados sobre esse assunto, a Associação Sul-Brasileira dos Distribuidores de Autopeças (Asdap) promoveu uma reunião extraordinária neste final de maio e convidou o diretor do Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios no Estado do Rio Grande do Sul (Sindirepa-RS) Alexandre Ruga para uma detalhada exposição sobre o andamento da CPI.
A investigação está baseada em quatro pilares, bem mais ampla do que a CPI feita em São Paulo em 2009, que investigava apenas o primeiro pilar dessa atual CPI gaúcha:
- Fomento à Criminalidade – da venda de salvados e sucatas;
- Lesão ao Consumidor – da utilização de peças não genuínas;
- Formação de Cartel – da manipulação de mercado;
- Sonegação Fiscal – dos crimes contra a ordem tributária.
A classificação das montas nos acidentes, as informações que são (ou não) repassadas às autoridades de trânsito em cada sinistro, o registro do sinistro na documentação do veículo acidentado, o suspeito trânsito de carros sinistrados para serem leiloados em outros estados, o comércio de sucatas, a identificação dos compradores de sucatas, a formação acadêmica dos vistoriadores e dos peritos credenciados pelas seguradoras, o critério de credenciamento e a relação com as oficinas escolhidas, o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas diversas etapas desse mercado e a maneira como é feita a fiscalização de tudo isso são algumas especificações que a CPI deseja deixar bem explicadas e publicamente esclarecidas.
A CPI, que tem o deputado Enio Bacci (PDT) como presidente (ao centro na foto em destaque), o deputado Elton Weber (PSB) como vice-presidente (à direita na foto) e o deputado Tiago Simon (MDB) como relator (à esquerda na foto), se reúne todas as terças-feiras a partir das 17 horas. Nesses primeiros três meses de trabalho, foram realizadas oito oitivas, começando com uma fase de instrução em que foram ouvidos os principais integrantes da CPI de São Paulo em 2009: o presidente e o advogado do Sindicato das Oficinas de Funilaria e Pintura (Sindifupi/SP) e um delegado de polícia do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) paulista.
A seguir, começaram a ser ouvidos os representantes gaúchos do Ministério Público, do Deic, do Sindirepa-RS, do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos (Sincodiv-RS), do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS), da Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços para Excelência da Reparação Automotiva (Abraesa), da Pestana Leilões, do Sindicato dos Corretores de Seguros (Sincor-RS), de empresas reguladoras de sinistros, de montadoras, da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Brigada Militar, da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), proprietários de oficinas, ex-peritos e consumidores. Os representantes das seguradoras serão chamados somente no final.
Entre os depoimentos que podem contextualizar melhor o assunto, antes das seguradoras se explicarem, cabe destacar o do diretor do Deic gaúcho Marco Guns. Segundo ele, em 2017, foram roubados 17.500 veículos no Rio Grande do Sul e só 60% deles foram recuperados. Portanto, cerca de sete mil veículos simplesmente “sumiram”. Isso significa 48 veículos roubados no Estado por dia (dois veículos por hora) e 19 desses veículos (quase um por hora) desaparecem definitivamente.
Porto Alegre é considerada atualmente a terceira capital em número de roubos de veículos proporcionais à população, perde apenas para São Paulo e Rio de Janeiro. E a corregedora do Detran/RS reconheceu em sua declaração que o órgão tem apenas 20 funcionários para fiscalizar os mais de 300 centros de desmanches de veículos no Estado, isso sem contar os desmanches clandestinos.
As proprietárias da Pestana Leilões relataram que comercializam uma média de 2.500 veículos por mês e trabalham dentro da legislação, sem conhecimento de qualquer ilegalidade, tais como desvios ou ações de quadrilhas. Mas não souberam responder por que alguém adquire em leilão um salvado por R$ 15 mil cujo orçamento de reparos está em R$ 27 mil se a tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) avalia o veículo em R$ 29 mil.